Acheron
Nas Profundezas de Acheron
As orlas inferiores
Porque tudo que levo é o meu silêncio e perpetuado entre
os ecos de meu próprio herói, ouço bradar acima de mim, as vozes que no além
irei deixar como memórias vivas...
Senti preso em meus cabelos, um alfinete que mesclava a dura
forma fractal dos gelos, mãos que suavemente me penteavam, mas que ao mesmo
tempo, me lavavam, deixando no rosto a palidez que outrora entre as chamas
queimou-me. A quietude das orlas inferiores das brumas, o silêncio que me
fez jurar para que pudesse ser levada ao submerso rio.
As divisões de mundos já haviam sido feitas, o silêncio
havia sido pago. Não pude soar com a voz de minhas cordas, mas nos meus olhos
ainda havia preço. Eu vi e senti as profundezas tomarem-me, queria gritar com
a alma, expressar a loucura das orlas, das camadas que me envolviam, do apreço,
das chamas que me devoravam, das águas que se misturavam entre as três temperaturas,
todas ao mesmo tempo. Entravam sobre as minhas células e me faziam aflorar de
emoção jamais sentida.
A noite gélida prometia a escuridão e dentre elas a dura
separação do que ainda me ligava às partes acima; a psique.
Minha boca apenas moldava parte do meu rosto, embora, fosse
colocado o silêncio, meus olhos conheciam os lugares mais temerosos e os meus
sentidos transmitiam dos meus ouvidos e narinas, quando exalava a servidão dos
que não foram convidados. Sendo levada, sempre que havia uma faísca de
eletricidade que ainda vertia da minha coluna, enraizada aos pigmentos da
enorme serpente aos antes neurônios que se conectavam para uma vida, jaz deixando
de serem retransmitidos por aquelas vias, foram esvaziando-se, de um mundo complexado
para aflorar as emoções de górgona. As três vias.
Todos os seus 132 olhos se projetavam e todas as
vezes, o cenário era outro. Por sua vez, eu ainda estava mergulhada dentro de Acheron, encontrava almas que perambulando entre as vias, entravam e saíam das
forquilhas, essas, eram as orlas dos esquecimentos. As chamas dentro das águas
banhavam as memórias, porém, com o selo resguardado na boca, fechava o rio
interior onde habitava as três irmãs. Elas guardavam os olhos da
serpente, que por sua vez, devolveria àquela alma a reencarnação.
Eu havia me sentado no barco prestes a ir. Deixando uma vida repleta de sonhos, desejos e esperança, levando apenas coragem para encontrar uma alma na qual pudesse me dizer algo como; seja forte!
A escuridão cerrava lentamente as pupilas, a trave dos
enormes destinos, para então, mergulhada em vias profundas, levar-me,
serenamente como as penas dos pássaros. A psique orientava-me, por aquelas
orlas inferiores, deixando-me, cada vez mais leve. A água que gélida
transformara em feroz sobre a minha pele e que me queimava como as brasas. Vi-me,
mergulhada sobre o meu próprio sangue, mas que nelas estavam engendrados o
furor que a minha alma carregava. A voz que tanto busquei não ouvi, mas meus
olhos avistaram das sombras a imagem dela.
Nos olhos que ainda poderia proferir o preço dizia-me; sois
o meu sangue, sois o meu ar, sois a esperança de voltar.
Esfumaçando na escuridão e tomando para si o gole daquela
água. A dor que a minha alma sentiu não suportou vê-la partir com o preço do
esquecimento, mas em seus olhos resguardava as memórias, onde um dia eu poderia
acessar, quando a psique pudesse seguir por outra via. Onde a sua boca foi o
seu túmulo, mas que manteve selado o rio que flui a imortalidade, seus olhos, a
retidão e ambas as partes sendo precisamente iguais, o fruto de minha
imaginação.
Que os caminhos de górgonas, as três vias, a levem para o
lugar exato, onde a serpente vive e dos seus olhos devolva-a, em todas as formas
de vida em outras vidas, mãezinha...